foi com uns olhos muito brilhantes e marejados de futuro, mas também de uma profunda tristeza, que o queres antes aprender a voar ? nasceu em abril de 2007. entre lágrimas e risos, dor e alegria, desespero e esperança, trambolhões e sucessos, a minha vida teve o percurso que tinha de ter sendo, quase sempre, um percurso solitário. desde então, fiz muita coisa que queria muito fazer: por ironia de deus (só pode) fui empurrada para fora do mundo que conhecia e onde me sentia extraordinariamente segura ainda que profundamente insatisfeita e com a permanente sensação que estava a viver pela metade; por obra de deus (só pode) tive um daqueles momentos em que se diz "sim ou não" sem pensar e quando me apercebi da dimensão da coisa já era residente oficial na república de moçambique; estava sozinha, absolutamente sozinha, e bastante perdida dentro de mim; depois apaixonei-me pelo céu africano e pela praia e pela cor e pelo sorriso de quem só tem sorrisos para oferecer; fui à àfrica do sul inúmeras vezes, vi leões e zebras e girafas e rinocerontes e hipopótamos e hienas e gnus e leopardos e elefantes e mais gnus e mais elefantes e mais zebras e mais girafas; atravessei a suazilândia de ponta a ponta, onde vi vacas e mais vacas e burros e mais burros, e gente bonita, e mais gente bonita e terra vermelha cor de sangue e mais gente bonita e vacas, muitas vacas e burros; acampei na ilha de inhaca inúmeras de vezes e no xai-xai e na ponta do ouro; dancei até a noite ficar dia, descalça, na areia, suada e à chuva; bebi muita laurentina preta e aprendi a gostar de gin tónico nas noites quentes de maputo; tomei banho de mar em benguerra e em magaruque, subi às dunas gigantes da ilha de bazaruto, onde também tomei banho de mar na companhia de peixes de mil cores e de golfinhos; sobrevoei parte da costa moçambicana, fiquei boquiaberta com a paisagem cá de baixo; sobrevoei, sozinha, o continente africano várias vezes, vi o sahara lá de cima, e as luzes da europa abastada a aparecer estridentes e tornar a noite em quase dia depois de 10 horas de voo; conheci muita gente que me fez o coração saltar de esperança no futuro, mas também conheci gente feia, e má; consegui, sozinha mas com ajuda de deus (só pode), um bom trabalho que me trouxe de volta a portugal e vi esse bom trabalho tornar-se o trabalho quase perfeito em pouco tempo; passei a sentir-me em família com as pessoas com quem partilho grande parte do meu dia; descobri uma quase-vocação e vários interesses que antes não sabia ter; sozinha, interessei-me por filosofia e física e arte e religião e história; sozinha, aprendi a poesia, descobri whitman e cummings e bukowski e rilke, e apaixonei-me por rilke e bukowski e cummings e whitman; fugi muitas vezes para o campo na urgência de ter os pés descalços em contacto com a terra; peguei no carro sem destino e só parei quando o cansaço dizia que era hora; descobri sons que me são muito, vi concertos que queria mesmo muito ver, mas desisti de salas de cinema que me angustiam no seu ambiente fechado e negro; sozinha, chorei todos os dias durante anos - pela imensidão e pelo exasperante vazio, pelo silêncio e pelo ensurdecedor ruído, pela ausência, pela distância, pela falta, pela dor alheia, pela tristeza dos olhos de outros, pela desordem das coisas, pela injustiça -, chorei todos os dias durante anos por coisas minhas e dos outros, algumas meio parvas. e, às vezes, chorei mesmo por nada, só porque as lágrimas teimavam em cair; sozinha, aprendi que me podia expressar pelo desenho e pela a fotografia, mas ainda não consegui dedicar-me totalmente a nenhum deles; sozinha, escrevi muito, apaguei muitas coisas que escrevi, voltei a escrever, voltei a apagar; sozinha, enfrentei e perdi medos; mas fiquei sensível a tudo, e tudo me doía até à alma, até que passei a ser fria e indiferente as mais das vezes; depois agucei o sentido prático, objectivo, mordaz; e, às vezes, fui má; fui aos balcãs, atravessei a bósnia quase em silêncio, e a sérvia, e o montenegro e parte da croácia; fui a barcelona e a londres; sozinha, chorei na tate modern em frente a um rothko; passei três semanas de mochila às costas na índia, não gostei da índia, nem da cultura indiana, mas adorei a viagem, a experiência, a comida, a companhia, o limite de tudo, passei horas e horas e mais horas em viagens de comboio e de carro, não gostei da índia mas esta viagem foi uma enorme experiência humana e uma prova de resistência e superação; sozinha, voltei a moçambique uma e outra vez; algo contrariada, fui madrinha de um casamento que acabou ainda antes de começar mas que teve de começar para acabar; fui ao casamento de duas amigas que decidiram, contra quase todos, mostrar que o amor não tem barreiras; contudo, decidi que não ia a mais nenhum cuja presença pudesse evitar e, por isso, recusei pelo menos três convites de familiares; sozinha, absolutamente sozinha, procurei casa durante dois anos, conheci de cor todos os websites de imobiliárias em lisboa, mas só visitei meia dúzia de casas porque tinha os critérios preço-tamanho-localização-estilo muito bem definidos desde o princípio; sozinha, apaixonei-me perdidamente por uma casa mas não a consegui comprar porque alguém se atravessou pelo meio; sozinha, fiquei chateada e quase desistia da procura, cansei-me, amuei, chorei de raiva, vi bancos fechar-me as portas dizendo "não, nem pensar"; senti-me desacompanhada, e incapaz, e impotente; sozinha, respirei fundo, voltei à procura e passados poucos dias decidi visitar uma casa que já tinha visto anunciada há meses mas que por obra de deus (só pode) vim a encontrar numa imobiliária quase insignificante a um preço muito inferior; sozinha, suspirei e disse "vou vê-la só porque sim". apesar de velha e semi-destruída reconheci-a mal entrei, sozinha, na porta. e pensei "esta é a minha casa"; por obra de deus (só pode) consegui, sozinha, um crédito à velocidade da luz e no espaço de um mês comprei-a, sozinha, contratei uma empresa e tratei das obras, sozinha; quando, passadas exactamente dez semanas, entrei na minha nova casa pensei "esta casa é mesmo eu"; empacotei restos de vidas passadas, deitei quase todos os outros fora, comecei do quase-zero; vi que uma casa não fica pronta, está antes em permanente construção, como o resto da vida, na verdade; envolvi-me com pessoas que não deixaram história e com outras que pela ordem lógica das coisas não devia ter-me envolvido, mas percebi que a vida, às vezes, nos prega partidas e que não devemos dizer nunca "desta água jamais beberei"; não me apaixonei por ninguém; mas encontrei uma espécie de alma gémea por breves instantes. e foi bom, foi tão bom, perceber que o mundo tem gente que nos percebe as entrelinhas; dediquei-me de corpo e alma ao trabalho, passei a ser reconhecida pelos meus pares, mas também passei a receber beijos na testa e festas no cabelo do chefe e abraços e risos dos colegas; ainda assim, apeteceu-me desistir muitas vezes, fruto da tendência permanente de fugir em direcção à liberdade; mas mantive-me firme no sítio desta vez pois algo me dizia "x, pára lá um bocadinho e brinca como a gente grande agora"; descobri que o meu sítio é onde estiver desde que esteja bem, mesmo que esteja sozinha as mais das vezes; recentemente, ganhei uma sobrinha que é um novo amor que vai gigantear com o tempo; e ganhei novas ânsias e a vontade de ir onde, em delírios, dizia querer ir. por isso, planeei ir, sozinha, à mongólia e ao combodja, hei-de ir aos dois lados entretanto; e, sozinha, decidi ser mãe do coração, mesmo que nunca venha a ser mãe de barriga. embora tenham passado só seis anos desde aquele abril distante de 2007, parece que se passaram vidas. parabéns a este blog que me viu crescer e que foi, quase sempre, a minha única verdadeira companhia.