15.9.11

há já alguns anos, X tinha uma vida diferente. em um dos episódios bonitos dessa vida, X conviveu com algumas pessoas muito interessantes. X era assim ainda pequenita e novinha e, um dia, numa missão de trabalho, viu-se dentro de um autocarro no meio dos grandes nomes do jornalismo ligado à gastronomia e à cultura nacional. X sentiu-se um micróbio. mas o chefe de X à altura, que era louco, vá-se lá saber porquê, levantou-se, abriu os braços e berrou - "descobri uma grande jornalista"- X, portanto. ora X nunca foi jornalista, mas quando era pequenina dizia que queria ser. e pronto, lá foi calhar ao meio, sem saber muito bem como. mas essa parte da história não interessa nada. o que interessa é que X nesse momento, e por acaso (e os acasos não existem, já agora, mas no momento não me ocorre melhor expressão) estava sentada mesmo ao lado de um senhor, assim já com alguma idade, que X não conhecia de lado nenhum mas com quem simpatizou desde o primeiro segundo. esse senhor, por causa das palavras do ex-chefe louco, começou a falar com X. X já não se recorda da conversa toda, mas sabe que durou a viagem inteira. e que falaram muito de cinema - X veio depois a perceber que o senhor até fazia crítica de cinema num jornal do norte, embora nunca tenha lido nada do que ele escrevia acerca do assunto. de qualquer modo, X sentiu-se meio ignorante porque de cinema não percebia assim tanto como isso, embora na altura até passasse bastante tempo no King e no Quarteto. e, palavra puxa palavra, no fim da viagem X e o senhor simpático trocaram contactos. e o senhor prometeu que escrevia. e escreveu. passados uns dias, X recebeu uma carta acompanhada de uma garrafa de vinho da Ilha do Fogo - o senhor também era crítico de vinhos. e durante algum tempo X e o senhor trocaram algumas mensagens. hoje, X voltou à caixa de correio antiga e reencontrou-as. falavam, sobretudo de filmes que ambos tinham visto - trocavam opiniões, na altura, por exemplo, sobre o Mystic River que nas palavras dele era "belo e corajoso". e falavam de escrever. X tinha descoberto a paixão pelas palavras. e como se sentia bem quando escrevia. e como não conseguia explicar essa sensação a quem não o fazia também. não se consegue explicar o porquê de escrever. ou o porquê de escrever de determinada forma. escreve-se. pronto. X e o senhor falavam muito sobre isso. e quando X teve de mudar de vida, o senhor disse-lhe assim "X faças o que fizeres, nunca páres de escrever. escreve sobre tudo e em qualquer lugar, mas escreve, escreve, escreve...". estas foram as últimas palavras que X leu do senhor. entretanto os destinos descruzaram-se. até hoje, dia em que X recordou esses tempos tão intensos. e essa amizade que durou tão pouco mas foi tão bonita. hoje, depois de reencontrar essas mensagens, X foi procurar saber o que teria acontecido ao senhor simpático que encontrou numa viagem algures no Douro. José Gomes Bandeira faleceu em 2006. era jornalista do JN mas, para além disso, era um ser humano incrível. X verteu duas lágrimas.

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