22.7.12

estar longe:

- recebi a notícia da morte de duas pessoas conhecidas;
- fui contactada por meia dúzia de pessoas com quem já não falava há anos;
- testemunhei à distância a covardia de quem se acha esperto e não passa de mais um idiota como os demais;
- testemunhei de perto que os laços que se criam em certos momentos da vida não se desfazem pela distância;
- percebi que, de facto, há pessoas que simplesmente não percebem o mal que fazem ao próximo e, portanto, também nunca vão entender porque razão esse próximo quer mais é vê-los pelas costas;
- percebi, também, que há coisas que já não doem.

21.7.12

de maputo: hoje pela manhã, enquanto ia pela rua, percebi o porquê de amar tanto este povo - os olhos das gentes riem. é isso! adoro, adoro, adoro os moçambicanos. oh povo bom e bonito!

20.7.12

de maputo: está na hora de preparar a volta. as despedidas são sempre um até já! quem tem duas casas anda sempre entre sítios.
eu não sei se é efeito desta terra mas desde que estou em maputo parece que o mundo ficou, mais uma vez, de pernas para o ar. senão vejamos:

- recebi a notícia da morte (inesperada) de duas pessoas conhecidas;
- fui contactada por meia dúzia de pessoas com quem não falava há anos;
- um dos meus irmãos vai para cardiff;

(ah... e parece que vou ser tia, mas shiuu que ainda é segredo e estamos todos na expectativa a ver como corre...)

19.7.12

de maputo: já tremi. já estive febril. já tive dores de garganta. sim, estou em áfrica mas cá também há inverno e este ano está mais frio do que eu esperaria.

18.7.12


maputo cheira-me sempre a estes sons. perguntam-me porque lhe sinto a falta. é por isto. e pela sensação permanente de coração cheio.
de maputo: e, no seu ingles possível mascarado por uma pronuncia asiática difícil, ele disse algo como "in september or october, big cerimony with the President to start works, you are invited...". agora é ver se o chefe vai na conversa!
de maputo: às 6.30 h, hora de Portugal (7.30 h, hora da maputo) já eu tinha tomado o pequeno-almoco e estava a caminho de uma reunião. confesso que tinha saudades deste ritmo madrugador africano.

17.7.12

hoje sonhei. já há muito não acontecia, mas hoje sonhei. e foi tudo tão límpido e tão intenso que parecia verdade. vi rostos, e olhares e pormenores de expressão com detalhes assustadoramente reais. os meus sonhos raramente têm palavras. há uma espécie de entendimento surdo entre as personages. e há, também, sorrisos cúmplices. terminou, como quase sempre, numa explosão de luz e arrepios na pele. acordei gelada algures na madrugada de maputo. suspeito pois que foi muito mais do que um sonho.
de maputo: em tempos eu tive uma empregada doméstica. chamava-se célia. não era grande empregada doméstica mas, pelo menos, guardava a casa, cozinhava qualquer coisa e arrumava-me a roupa. eu, que não tenho de todo perfil de neo-colono, gostava imenso dela, fartava-me de rir com ela, pedia-lhe para me ensinar changana, insistia que ela provasse a nossa comida, pedia-lhe para me ensinar receitas de cá e coisas assim. éramos amigas. e ela sabia que se precisasse podia contar comigo. e precisou várias vezes. quando voltei a  portugal a célia chorou, e quase me fez chorar. aparentemente, ainda hoje diz que eu sou a "menina dela". ora a célia quando veio trabalhar para minha casa, apesar de ganhar bem acima do ordenado mínimo, ganhava - como quase todos os moçambicanos sem grande formação - incrivelmente mal dentro dos nossos padrões (julgo que algo como cerca de 50 ou 60 euros na altura). esse dinheiro era quase só para pagar a escola dos filhos. para o resto das despesas, tinha uma banca em frente a casa onde vendia um pouco de tudo. quando o pai faleceu, pediu-nos ajuda para poder ir ao funeral lá no norte. e para pagar a festa de luto que é obrigatória não vão os espíritos ficar zangados. e nós, obviamente, demos. e assim foi levando a vida como pode, com um ex-marido violento pelo meio e uma casa de filhos para sustentar. hoje, 5 anos depois, a célia trabalha na copa de um escritório, continua com os seus negócios, mandou o ex-marido às urtigas com uns sopapos na tromba de brinde, está a tirar a carta de condução e o filho está a acabar a academia militar. quando há dias lhe ofereceram trabalho como doméstica disse que "pedia muita desculpa mas já não se vê a fazer isso e que sentia como se fosse andar para trás".  a célia é uma das minhas heroínas.

16.7.12

de maputo: nos últimos  3 anos a comida deve ter subido para o dobro.
de maputo: a gasolina corre a 47 meticais, qualquer coisa como 1,38 euros.
de maputo: um lugar num infantário, com condições infinitamente inferiores ao standard dos infantários em portugal custa, por mês, cerca de 600 dólares. um lugar numa escola primária, com condições infinitamente piores ao standard das escolas primárias em portugal custa, por mês, à volta de 800 euros. nas escolas públicas, com condições quase sempre bastante más, também se paga, muitas vezes valores superiores aos ordenados médios. não, não estou a brincar. 
de maputo: se pensam que áfrica é sempre quente, ficam a saber que hoje bati o dente!
do triângulo lisboa / maputo / lado nenhum: há um conjunto de sentimentos difíceis de gerir, o tempo ou a distância não o torna mais fácil. o espaço de pés enterrados no chão foi substituído por uma sensação de esvaziamento de peso. e passou a ser moldável. o tempo esse confunde-se nessa mistura do aqui e além.

15.7.12


entrei na África do Sul, almocei e vim embora, mais uma vez com uma imensa pena de ainda não ser desta que tenho tempo de atravessar o país até ao Cabo. um dia, em breve, fá-lo-ei. este país merece todo o tempo que possamos dedicar a conhece-lo. belíssimo!

13.7.12

do dia: sair com ar de verão, trabalho a rodos e, no fim do dia, a abertura oficial do escritório de um cliente. muita gente importante e eu, caída de paraquedas. "so this is the famous x?", pergunta aquele que é responsável pelo investimento de milhões nesta terra que precisa de quase tudo. risos. meus, claro. acabar o dia com amigos. e gin tónico, o meu gin tónico de maputo, o melhor de todos. sou feliz. muito feliz.
alguns episódios surreais da vida de x:

chegar a casa, abrir a porta, ouvir uma rajada de AK47 na rua, alguém dizer "baixa-te baixa-te não vá entrar uma bala pela janela", ficar encostada a uma parede uns minutos a ver se passava e, quando passou, ouvir algo como "pronto já podemos jantar".

ir num fiat uno podre numa rua escura, ficar sem luzes e sem travões ao mesmo tempo que o polícia nos manda parar e quase atropelar o homem. olhar para trás enquanto tentávamos fazer parar o carro e ver o polícia de AK47 em punho a correr atrás de nós. ver por fim a arma enfiada na janela e o polícia dizer "ela não leva cinto".

viajar de barco com o mar picado, quase ser lançada borda fora por causa dos saltos e, durante mais de 1 hora, pensar "ai que é hoje que morro" enquanto me agarrava com unhas e dentes a uma corda. 

cair ao rio tejo, não saber nadar e ser salva pelos bombeiros.

andar à porrada com umas gang-leaders no bairro alto e partir-lhes a cara toda.

espetar com um saco de bifes a um carteirista na praça da figueira e obriga-lo a devolver-me o telemóvel. tudo sem tirar os óculos escuros.

ameaçar um agarrado com a sua própria seringa.

chegar ao carro pela manhã, vê-lo coberto de sangue, ir à esquadra e o polícia perguntar "tinha algum corpo no carro?".

ser investigada pela PJ por suspeitas de colaborar com uma rede ligada a terrorismo.

perder-me em Christiannia.

acordar de manhã e ver malta dos GOI pendurada no prédio da frente com snipers posicionados no telhado e tudo. ser depois escoltada até ao meu carro por um agente a cobrir-me a cabeça.

atravessar parte do mar do norte com um sueco de 2 metros e bêbado com a cabeça pousada no meu colo sem que me pudesse mexer e ser depois salva por um ciclista italiano.

ganhar uma viagem à Índia paga pela sumol-compal.

estar no alto das dunas da ilha de Bazaruto.

correr à frente de uma vaca no Gerês.

ser parada pela polícia Sérvia no alto de uma montanha, ver o carro ser revistado e ouvir os polícias perguntar "drugs, drugs, drugs?".

chegar à fronteira do Montenegro, um polícia saltar do seu posto depois de ver o meu passaporte e dizer "Cristiano Ronaldo".

ver gente correr com colchões às costas depois de um alerta de tsunami.

passar uma noite naquela que devia ser a pensão mais tétrica do Porto.

ficar com o carro pendurado num muro e ser salva por um pastor com um pé de cabra.

ver um leopardo a correr, ficar histérica e dizer "olha, um tigre de pintas".

12.7.12

de maputo: está um bocadinho frio.
de maputo: sobretudo, gosto de falar e de estar com as pessoas mais simples. as mais desprotegidas. as que trabalham a troco de ordenados que nos fariam corar de vergonha. são essas que me enchem de esperança na mudança. a dignidade delas é incrível no meio de tantas dificuldades. e o sorriso é largo. e a força de vida gigante. os ricos de cá, são iguais aos ricos de todo o lado.
de lisboa: recebi duas mensagens de pessoas completamente distintas e que fazem parte da minha vida por motivos absolutamente díspares dizendo ambas "tenho saudades tuas". se por um lado isso me parece estranho porque eu não sei bem o que é sentir saudade, por outro faz-me pensar na forma como a nossa vida se encruzilha com a dos outros.
de maputo: não sei exactamente que forcas telúricas se escondem nesta terra, mas em estando cá só me apetece abracar as pessoas na rua e ser feliz com elas.

11.7.12

é engraçado estar a 10.000 km e receber telefonemas das pessoas com quem trabalho todos os dias pedindo-me opiniões, dando-me satisfações, comunicando-me o andamento das coisas, pedindo que corrija, que aprove, que sei lá que mais... e no fim mandam beijos e dizem "não te atrevas a querer ficar aí". é engraçado...

10.7.12

o dia começou bem. acordei com uma luz imensa a entrar pela janela. no caminho para o escritório, disse bom dia a dezenas de pessoas. todas respondem. todas sorriem. todas agradecem. sinto-me bem. não ando. flutuo por entre as árvores imensas de colorido. chego ao escritório e vou directa à copa buscar o meu café. trabalho trabalho trabalho. rio pelo meio. converso com as pessoas. rio mais. almoço com um velho colega de histórias. rio mais. recebi uma má notícia vida de longe. fiquei sem palavras. voltei ao escritório. mais trabalho. o ritmo é frenético. o tempo escasso. ao fim do dia, rever velhos amigos. parece que foi ontem. a ligações não se quebram. uma preta e camarões para celebrar a amizade. amanhã há mais. maputo é bonita. já disse?

9.7.12

voltar a maputo é sempre algo entre o difícil e o ansiado. mas desta vez sentia algo diferente. um certo medo, creio. medo de reviver, apenas. não gosto de voltar onde já fui. é isso. cheguei a maputo já muito tarde. mal pus o pé em terra firme percebi porque me diz tanto esta terra - o sorriso, a simplicidade, a afabilidade e a tranquilidade dos moçambicanos transmitem-me paz. fazem-me sentir em casa. e feliz. alguém me esperava no aeroporto, pacientemente. e foi bom voltar a ver caras conhecidas. e foi sobretudo bom voltar a sentir que moçambique me é tanto. maputo é uma festa de cores em forma de flores inexplicáveis. e de sons de grilos à janela. de estrelas que não acabam. de sorrisos espalhados. e de "bons dias" atirados à sorte. hoje voltei a ser aquela menina pequenina que chegou em tempos de tótós empinados e olhar triste. e com um coração vazio e sedento. que foi depois tratado com este calor de gente. com este imenso horizonte que nos ensina que os limites são só definidos pela nossa vontade. aqui falaram-me aos ouvidos. e disseram "sabes x, as lágrimas não nos podem afogar."
corria o verão quente da década de 70 quando, exactamente neste dia, eu chegava ao mundo. 

até agora tem sido bonita a festa pá!

8.7.12

em Maputo. em casa.

2.7.12


Sigur Rós - Rembihnútur

a paz e a dor lancinante. e como uma precisa da outra para ser.
não, isto não é um disparate.


às vezes acho que fiz tudo mal.
mas quase sempre tenho a certeza que não faria nada diferente.
salvo algum imprevisto, daqui a dias estarei de volta àquela terra doce e amarga que me arrancou o passado. espero voltar com mais um bocadinho de qualquer coisa. falta-me algo. não sei bem o quê. mas falta-me algo. e lá eu costumo ouvir as vozes que por cá se silenciam com a rapidez dos dias. e como preciso ouvi-las de novo.