x nunca esteve desempregada. teve muitos trabalhos de merda e mal pagos, mas desempregada x nunca esteve. nem desempregada, nem desocupada. x começou muito cedo a trabalhar. primeiro com os pais, que eram comerciantes. x sempre trabalhou com os pais e, por isso, enquanto criança e adolescente x nunca teve "férias grandes"- pelo contrário, nos meses sem aulas x acordava às 4 ou 5 da manhã para ir trabalhar. aos 18 anos x foi para a faculdade. mas, nas férias, x voltava a trabalhar com os pais. na faculdade, x tinha uma bolsa de estudo, mas não chegava para tudo. por isso, x sempre trabalhou em alguma coisa para ajudar a pagar as contas. durante os tempos de faculdade, x foi assistente num infantário, empregada de balcão num centro comercial, passou pelo telemarketing, fez milhares de inquéritos para estudos de mercado, fez centenas de entrevistas para um estudo nos bairros sociais de lisboa, leu dezenas de livros para fazer a triagem inicial num concurso de literatura, lavou loiça num restaurante, trabalhou na loja duty free do aeroporto de lisboa e deu explicações. pelo meio, ganhou uma bolsa do governo dinamarquês, viajou pela escandinávia, foi membro de uma associação de estudantes e de um órgão representativo das residências universitárias da universidade de lisboa, organizou uma exposição de artes plásticas, foi a festivais de música, fez uma road trip por portugal e outra pelo sul de espanha, e fez amigos que ainda duram. no fim do curso, x voltou à cidade natal onde fez um estágio que durou dois anos e meio. x não recebia um chavo e odiava aquele estágio. mas levou-o até ao fim. ainda assim, ao mesmo tempo, para pagar as contas, x foi entrevistadora do ine (e recebeu uma pipa de massa por esse trabalho), trabalhou num café e fez um segundo estágio (este mais pelo gozo) numa rádio. depois de acabar o estágio profisisonal, x não queria trabalhar na profissão para a qual a universidade a havia preparado e, de um dia para o outro, depois de uma conversa de circunstância com um amigo, deu por si a caminho de coimbra com vinte euros no bolso para ir ter com uma pessoa que estava a precisar de alguém para a ajudar a fazer pesquisas para escrever um livro. x não conhecia essa pessoa de lado nenhum mas ao fim de poucas horas x e essa pessoa perceberam que se dariam muito bem. passados três dias x estava de volta a lisboa, para começar a trabalhar com essa pessoa. foi o trabalho mais giro que x teve na vida - escrever! passados oito meses, essa pessoa adoeceu e acabou por falecer. x arranjou trabalho na sua área de formação assim de repente e sem saber bem como. a verdade é que, a contragosto, mandou um cv. no dia seguinte recebeu um telefonema e passados dois dias estava a começar um novo trabalho num escritório mais ou menos importante do mercado. x esteve lá quatro anos, até se fartar. um dia, depois de se lhe esgotar a pachorra, x começou a procurar outro trabalho. a busca levou-a a moçambique e x abandonou o trabalho que tinha, pegou numa mala de roupa e viajou para maputo. ao fim de oito meses x decidiu que tinha de mudar de trabalho sob pena de esmurrar a tromba ao dono do escritório onde à altura x estava a trabalhar. durante a busca por outra ocupação, x apresentou projectos à usaid e a outras coisas do género mas não deram em nada. um dia, meio à sorte, x mandou um cv (meio a gozar) para um grande escritório em lisboa. passados uns dias recebeu um telefonema, depois fez entrevistas presenciais e ao telefone. x foi contratada e voltou a lisboa. x trabalha nesse sítio ainda, apesar desta nova aventura que lhe caiu no colo x não se desvinculou do sítio-mãe e espera voltar para lá logo que possível. é verdade, x nunca esteve desempregada, nem desocupada. teve muitos trabalhos de merda, e por mais do que uma vez viu a vida querer fugir-lhe das mãos, mas resistiu, manteve-se fiel a si própria, não se resignou, não aturou merdas de ninguém e, sobretudo, não se meteu em nada que não lhe desse espaço para sair a correr caso lhe desse nas ganas. e foi assim que x chegou aqui. com muito mas mesmo muito trabalho. e com uma boa dose de loucura, também. sorte? a sorte faz-se... com resiliência e força de vontade e, sobretudo, com atitude e fé em nós. ainda assim, x perdeu muita coisa pelo caminho, mas a "sorte" também implica isto - fazer escolhas, e às vezes escolhas muito difíceis e com consequências muito sérias. nenhuma vida é perfeita, mas devemos construir a nossa à medida que nos couber. e não desistir, não desistir nunca. mesmo quando toda a gente diz que estamos a ir no sentido errado. porque quem melhor do que nós sabe o caminho que é o nosso, mesmo que dele não tenhamos plena consciência?
3 comentários:
Como desempregada e desocupada-contrariada que estou, soube bem ler estas linhas. Obrigada, x.
Já te sigo há muito tempo e és uma grande inspiração... hoje depois de ler este texto dei por mim a guardar algumas linhas para não as perder de vista e me servirem de apoio quando as coisas estiverem mais difíceis. Obrigada x
oh, obrigada eu! :)
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