6.9.11

escrevi as minhas primeiras palavras com mais ou menos quatro anos. mas aquilo cansava-me e pedia sempre à educadora que me deixasse identificar os meus trabalhos com símbolos. como os outros meninos faziam. queria sempre desenhar o sol. parecia-me a coisa mais distante e enigmática que estava ao alcance dos meus olhos. ela nunca me deixava. e obrigava-me a escrever o meu nome em letras ainda meio toscas. achava aqueles miúdos todos bastante chatos. alguns choravam muito. e tinham medo de levar vacinas. e da professora. e das contínuas. e dos outros meninos também. nunca gostei de gente com medo. talvez por isso, não me lembro de ninguém. na escola primária aborrecia-me de morte ter de esperar que os outros percebessem as coisas. fazer riscos e bolas tentando desenhar letras parecia-me bastante básico. tinha uma grande amiga. desses tempos, só me lembro de mais um miúdo, que era completamente idiota. e que me perseguia todos os dias no fim das aulas. e berrava "X eu gosto de ti". eu detestava-o com todas as forças das minhas entranhas ainda muito pequenitas. na terceira classe mudei de escola. não gostei. nessa a professora batia com uma régua. a mim nunca me bateu, mas aquilo parecia-me sempre bastante bárbaro. e sempre injusto. tinha uma grande amiga que desapareceu de um dia para o outro porque os pais mudaram de cidade. os outros pareciam-me quase todos bastante parvos. na preparatória tudo me parecia relativamente simples. fiz alguns quase grandes amigos. mas que rapidamente deixaram de o ser. apesar de não ser uma mente excepcionalmente brilhante, fui a melhor aluna da escola. por causa disso ganhei a minha primeira viagem quase sozinha a um país no meio da europa no âmbito de um intercambio escolar. foi a primeira vez que estive sozinha. e que o mundo me pareceu enorme. e que percebi que é possível comunicar sem palavras. fiz 12 anos longe da minha família e festejei-os no meio de uma família que não era minha mas que me acolheu como se fizesse parte. cantaram-me os parabéns em alemão. eu não percebi nada. mas gostei. e senti-me parte de um mundo gigante que antes desconhecia. no secundário mudei novamente de escola. e fui aterrar no meio de um edifício frio e gigante. quase desumano. suponho que nessas idades é normal ser meio parvo. mas eu achava que a grande maioria era mais parva do que seria admissível. tinha vários conhecidos. fiz uma amiga. nunca mais a vi. na altura tinha um pseudo-qualquer-coisa-não-sei-bem-o-quê-mas-que-diziam-que-se-calhar-era-meu-namorado a quem um dia disse "hoje não me apetece estar contigo porque quero acabar de ler Os Maias". acho que me lançou um quebranto e que ainda hoje me odeia. ou não. não percebo muito bem. no fim do secundário decidi: vou deixar tudo e vou estudar para longe. fui. e foi nesse percurso que encontrei um pequeno grupo de pessoas que (a grande maioria) ainda hoje me acompanham. tive alguns pseudo-qualquer-coisa-não-sei-bem-o-quê-mas-que-definitivamente-nunca-foram-meus-namorados-graças-a-deus. nunca lhes dei importância nenhuma. mas estive no meio de uma história de terror, também. há alguns anos decidi dar um pontapé na vida e deixar quase tudo outra vez. fui para longe. fiz alguns grandes amigos. e comprovei que apesar de o mundo ser enorme é bem mais pequeno do que parece. e que os afectos não têm fronteiras nem dias nem horas nem cores nem quase nada que os impeçam de ser, desde que sejam, sem terem outras razões para ser que não o serem em si mesmos. incondicionais. e intemporais. acho que sempre quis ir onde não sabia. que por isso sempre fui desligada. algo distante e ausente. talvez até tenha sido sempre bastante anti-social. mas sabia exactamente o que queria. e por isso há hoje um punhado de pessoas de quem gosto muito e que são a minha vida toda. são os que ainda me acompanham. a eles, obrigada pela paciência. e por sonharem comigo. e por não se renderem. e por serem como são. e por me deixarem a mim ser como me apetece ser.

6 comentários:

Espiral disse...

Adorei o texto. Vou levar um bocadinho se não te importares =)

x disse...

fogo... ainda agorinha fiz "post" e já o leste?? força, leva o que quiseres que isto já não é meu. :D

Espiral disse...

Eu leio rápido... e estava no reader na altura =)

x disse...

:)

André C. disse...

"acho que sempre quis ir onde não sabia. que por isso sempre fui desligada. algo distante e ausente. talvez até tenha sido sempre bastante anti-social. mas sabia exactamente o que queria. e por isso há hoje um punhado de pessoas de quem gosto muito e que são a minha vida toda. são os que ainda me acompanham."

compreendo bem. muito bem.

"be who you are and say what you feel, because those who mind don´t matter and those who matter don´t mind."

x disse...

andré - afinal somos muitos os desalinhados! :) qualquer dia convoco um ajuntamento de gente que passa por aqui. acho que grande parte delas têm muito em comum. ;)